Casa das Rosas

Em 1928 o escritório Ramos de Azevedo/Severo & Villares, do arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, já era tido como o mais famoso e reputado da área na América Latina. Projetou e executou a construção de diversos prédios de importância histórica hoje, tais como a Pinacoteca do Estado, o Teatro Municipal, o Prédio da Light e o Mercado Público de São Paulo. Projetou também a Casa das Rosas, uma mansão em estilo clássico francês com trinta cômodos, edícula, jardins, quadras e pomar na Avenida Paulista, local que reunia a maioria dos milionários barões do café.  Projetada por Ramos, a habitação do casal Lúcia Ramos de Azevedo e Ernesto Dias de Castro, filha e genro do arquiteto, foi inaugurada em 1935. Sua arquitetura é representativa do estilo eclético, predominante do início do século XX. Lá, os herdeiros de Ramos de Azevedo viveram até 1986, quando sofreu desapropriação pelo governo do estado de São Paulo. Por essa época, a Avenida Paulista já não era mais a mesma. A Casa das Rosas já dividia espaço com prédios comerciais, bancos, edifícios modernos e o característico trânsito de pessoas e veículos. Ameaçado de demolição, o casarão foi preservado em ação inédita no Brasil. Na parte do terreno que dá para a Alameda Santos, foi liberada a construção de um moderno edifício comercial enquanto a casa foi restaurada e transformada pelo Estado de São Paulo em espaço cultural, inaugurado no ano do centenário da Avenida Paulista, 1991.   A avenida que fora aberta pela riqueza agrária havia se transformado na via dos casarões dos industriais e logo em seguida na avenida do mundo das finanças, dos prédios modernos e de bancos suntuosos. Eleita pela população da cidade como símbolo de São Paulo, certamente a Paulista é a “perfeita tradução” da história econômica da cidade e do país. Da agricultura à indústria, e dessa ao mercado financeiro, em menos de um século. Em 1991 a Paulista já estava claramente se convertendo na avenida da cultura, transformação que as últimas décadas testemunharam. Museus, livrarias, salas de cinema e de teatro, parques e jardins, rosas, flores e estátuas foram se multiplicando para tornar a Avenida Paulista uma atração cultural ímpar na cidade.  Levando-se em conta a estrutura urbana da avenida e seu entorno, podemos dizer que a avenida mais paulista da cidade transformou-se em um dos espaços de cunho democrático, onde todas as manifestações têm vez, representando na dinâmica da cidade um grande fórum de debates. Evidencia-se tanto lutas pela inclusão como é o caso da Parada Gay que celebra a diversidade, dado ao enorme público que congrega, bem como questões tradicionais como as comemorações do Natal e do ano-novo, às quais convergem multidões. É nesse cenário chamado Avenida Paulista que a Casa das Rosas permanece um legítimo representante da arquitetura paulista como símbolo e referência de memória do cotidiano e das transformações da cidade e modos de vida.  E é nesse contexto que a Casa das Rosas, desde a sua reinauguração no final de 2004, tem oferecido à população de São Paulo cursos, oficinas de criação e crítica literárias, palestras, ciclos de debates, lançamentos de livros, apresentações literárias e musicais, saraus, peças de teatro, exposições ligadas à literatura, etc. Transformou-se, portanto, em um museu que se notabiliza pelo trabalho de difusão e promoção da literatura de escritores muitas vezes deixados de lado pelo mercado e pela oferta de oficinas e cursos de formação para aqueles que pretendem se tornar escritores ou aprimorar sua arte. Às novas funções, acrescentou-se também uma nova designação: Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, em homenagem ao poeta falecido em 2003, cujo acervo, com cerca de 20.000 volumes, a Casa passou a abrigar. O poeta, ensaísta e tradutor Haroldo de Campos (São Paulo, 1929-2003) se destaca no cenário intelectual e literário brasileiro como autor de uma obra poética de relevância internacional; introdutor de inúmeros autores da literatura universal no Brasil por meio de suas traduções de diversas línguas; propagador de teóricos contemporâneos nos âmbitos da estética, teoria literária e semiótica; teórico da tradução literária; além, é claro, de coinventor da Poesia Concreta. A resposta da população tem sido surpreendente. Das cerca de 90 mil pessoas que visitam a Casa das Rosas anualmente, a grande maioria é composta por frequentadores dos seus cursos e eventos literários. Sucedem-se os relatos de pessoas das mais variadas formações, idades e nível social que se iniciaram na literatura por meio dos trabalhos na Casa das Rosas. Abundam os relatos de escritores já bastante conhecidos de que a sua participação nos eventos da Casa estimulou o seu trabalho. Trata-se de um local que estimula as tendências mais claras da cultura paulistana: a mescla de erudição, oferecida nos cursos e palestras, e do espírito revolucionário, estimulado por meio do convite à apresentação de inúmeros artistas, poetas, músicos, dramaturgos, escritores em geral, que podem, neste espaço, democraticamente expor suas experimentações. A Casa das Rosas é um imóvel localizado na Avenida Paulista em São Paulo. Se a obra de Ramos de Azevedo representa a transformação sofrida por São Paulo a partir do início do século passado, a poesia de Haroldo de Campos é a problematização dessas mudanças. O poeta, com sua urbanidade e seu cosmopolitismo, encara a multiplicidade da metrópole e a escancara ao leitor. A obra de Haroldo não se resume a São Paulo, mas não teria lugar melhor para nascer. Uma cidade. Uma avenida. Uma casa. Francisco de Paula Ramos de Azevedo deixa aqui o seu legado. Com fome de forma, a arte abre suas portas para nos acolher.